Diferente do que se vê na Serra Gaúcha, por exemplo, ou em outras regiões do Rio Grande do Sul, os moradores da Centro Sul do Estado não têm o hábito de preservar sua história, salvo algumas exceções. Muito do patrimônio histórico e cultural desta região se perdeu pela falta de cuidado, incluindo fotos, documentos, construções, ferramentas de trabalho e objetos pessoais dos antepassados.
Na localidade de Bandeirinha, interior de Camaquã, um velho casarão construído no início do século passado tem chamado a atenção de quem passa por ali depois que o novo proprietário do imóvel, Anderson Hobus Affeldt, 27 anos, decidiu investir no local na intenção de preservar o que ainda resta inteiro das antigas construções.
Affeldt nasceu e cresceu na Bandeirinha, mas atualmente reside na cidade de Camaquã e é servidor público da prefeitura municipal de Chuvisca. Ele adquiriu a propriedade há cerca de um ano e meio e aos poucos está limpando a área e restaurando o que consegue. A velha morada estava tapera já há algum tempo e o comércio que existia também a muitos anos deixou de funcionar, por isso a vegetação havia tomado conta do que era o pátio e até mesmo de algumas áreas internas de alguns dos imóveis que já estão em ruínas.
São duas grandes construções sendo uma delas a que serviu de moradia dos primeiros proprietários, erguida por volta do ano de 1920. A casa dividida em mais de 10 cômodos e um porão tem em sua fachada frontal seis janelas e três portas. Todas as aberturas em madeira mantêm o formato original com um vitrô colorido em forma de arco na sua extremidade superior. A grande maioria conserva a madeira da época em que foram construídas.
O desgaste do tempo somado a falta de cuidados transformou em ruínas grande parte do segundo prédio. Este, maior que a casa principal, era de dois pisos e abrigava a área comercial e industrial. Durante muitos anos desde que foi construído até o fim da década de 1980 funcionou no local diversas atividades, incluindo uma serraria de madeiras e um moinho de milho (fábrica de canjiquinha, farinha e fubá), acionados por uma roda d’água, além de uma turbina hidráulica para a geração de energia elétrica. Também havia uma “venda” onde os clientes encontravam de tudo o que precisavam para o dia a dia, de alimentos a vestuário, como era a característica dos comércios do interior naquela época. Durante algum tempo também funcionou no casarão uma pensão que oferecia poso e comida aos viajantes.
Não há mais nada em condições de funcionamento neste setor comercial. O telhado desabou junto com o madeiramento da cobertura e grande parte da estrutura apodreceu. O que resta em meio aos escombros são as grandes engrenagens da serraria e do velho moinho.
Além dos imóveis também é possível ver no local parte do canal construído com pedras brutas para o levante da água que era conduzida até a turbina das fábricas. Não há curso d’água junto da casa e este canal se estendia por centenas de metros até um riacho onde a água era captada.
Projeto turístico
A área total adquirida por Anderson é de 2,5 hectares e apesar de ser zona rural ele não pretende desenvolver atividades agrícolas no local. O projeto do novo proprietário é transformar o lugar em ponto turístico onde os visitantes poderão conhecer um pouco da história e da cultura dos imigrantes pomeranos e alemães que colonizaram a região.
O jovem empreendedor explica que o trabalho de restauração deve ocorrer aos poucos, uma vez que para isso são necessários investimentos que ultrapassam sua capacidade financeira no momento. Inclusive ele destaca que apoios e parcerias são bem vindos.
Atualmente o local está aberto a visitações e fotografias. No Facebook a página “O velho casarão” é o canal para que as imagens sejam compartilhadas e o local divulgado. O casarão fica a cerca de 40 km da cidade de Camaquã e 17 km da sede municipal de Cerro Grande do Sul.
Os fundadores
Por volta do ano de 1900, quando os primeiros colonizadores, principalmente pomeranos e alemães, chegaram à Bandeirinha, aquela região era coberta de mata nativa. Para se estabelecerem no local e cultivar a terra estas famílias tiveram que abrir picada a foice e a machado.
Entre os que chegaram em busca de um novo lugar para morar, plantar e constituir família estava o casal (pomerano) Carlos João G. Peter e Berta Beling Peter. Foram eles que construíram o casarão e os demais estabelecimentos ao seu entorno. Eles chegaram na região com um grupo de colonizadores oriundo de São Lourenço do Sul. Tiveram quatro filhos: Reinoldo, Ilda, Carlos Germano e Erna.
A redação do Portal ClicR localizou e conversou com uma das descendentes dos fundadores do casarão. Nilse Osterberg, 64 anos, filha de Erna Augusta Berta Osterberg e Hugo Osterberg, é neta materna de Carlos e Berta. Atualmente ela mora próximo à sede municipal de Cerro Grande do Sul, mas viveu parte de sua infância próximo ao casarão com seus pais, em Bandeirinha, e frequentemente visitava os avós.
Nilse conta que vivenciou parte da vida simples e difícil dos pais, tios e avós no casarão. Recorda de quando subia ao segundo piso do setor comercial pra ver o milho descendo pela moega ou quando ficava observando os trabalhadores da serraria acionar as máquinas por alavancas.
Seu tio Reinoldo Peter foi o último descendente da família que tocou os negócios por alguns anos. Ele faleceu aos 65 anos, em 02/01/1988, vítima de um acidente elétrico.
O acidente
A energia elétrica na propriedade também era gerada pela força da roda d’água que acionava um dínamo. Já na década 1980 as redes de energia chegaram naquela comunidade e o sistema na propriedade foi substituído. Contudo algumas instalações antigas nas construções foram mantidas e a falta de costume de Reinoldo com a rede de 220 Volts, aliado ao trabalho com os pés na água, lhe tiraram a vida fatidicamente.
Matéria ajustada às 22h de 03/10/22.