O golpe do empréstimo consignado indevido tem sido cada dia mais recorrente e está tirando o sono de muitos aposentados e pensionistas em Cerro Grande do Sul e região.
Os casos se assemelham quando as vítimas reclamam que em nenhum momento solicitaram ou autorizaram a liberação de crédito em seus nomes e só se dão conta do que está ocorrendo quando notam a diferença ou os valores em suas contas.
Os empréstimos consignados são vinculados diretamente à folha de pagamento do contratante. As parcelas são descontadas do contracheque ou do benefício do INSS, no caso de aposentados e pensionistas.
O golpe pode ocorrer de duas formas. Em alguns casos o criminoso se apossa dos dados pessoais da vítima, contrata o empréstimo, saca o dinheiro e deixa somente as parcelas para a o titular da conta quitar.
Outra situação, que tem sido a mais comum ultimamente, é quando o golpista contrata o empréstimo e deposita o valor na conta da vítima para lucrar com a comissão da intermediação bancária.
Este foi o caso que ocorreu com a aposentada Núbia Garcia Raphaelli, moradora de Garambéu, interior de Cerro Grande do Sul, que em junho deste ano teve mais de R$ 15 mil creditados em sua conta, sem qualquer aviso prévio.
“Saquei minha aposentadoria como de costume e deixei um pouco na conta. Dali a uns dias pedi pra minha filha sacar o restante do dinheiro pra mim, pois eu havia recebido uma parcela do décimo terceiro, que foi pago em maio. Quando ela foi sacar se apavorou com o tanto de dinheiro que tinha na minha conta, foi quando eu descobri que tinha coisa errada”, revela Núbia.
A aposentada conta que tem problemas de saúde com ansiedade e pressão alta e que passou mal e ficou sem saber como reagir diante da situação. Então, orientada pelas filhas e familiares, procurou um advogado para cuidar da questão.
Junto ao Banrisul onde recebe sua aposentadoria Núbia buscou informações e descobriu que o empréstimo foi contratado via Bradesco, porém não obteve detalhes da negociação e afirma que jamais solicitou o crédito.
“Estão descontando entorno de 35% da minha aposentadoria de um dinheiro que não pedi. Aliás, não utilizei e mesmo assim seguem descontando as parcelas. O advogado me disse que pelos cálculos querem me cobrar mais de R$ 30 mil, por causa dos juros, nem sei em quantas vezes. Estou muito nervosa”, relata.
Núbia diz que só em Garambéu, ela sabe de outros moradores que estão com o mesmo problema. Alguns com valores de empréstimos ainda mais altos. Ela comentou também que algumas pessoas pensaram que fosse dinheiro de auxílios do governo em função da pandemia e gastaram o dinheiro, mas agora estão sendo cobrados.
A advogada Bruna Lietz orienta que em casos como este o aposentado/pensionista pode tentar resolver essa questão diretamente junto ao banco responsável pelo empréstimo, fazendo contato por canais como a ouvidoria, mesmo assim é preciso estar alerta para falsos links da internet.
Ela diz ainda que uma das medidas que o aposentado pode tomar é recorrer ao Poder Judiciário requerendo a nulidade do contrato de empréstimo e a suspensão ou cancelamento dos descontos efetuados junto ao benefício previdenciário. Além disso a vítima poderá requerer uma indenização por danos morais em razão de todo o dissabor vivido em razão do empréstimo não autorizado.
“Estas situações são bastante preocupantes, pois para a realização desses empréstimos não autorizados os bancos tiveram acesso a uma série de dados e informações das pessoas sem seu consentimento. Além desses dados, os bancos ainda conseguiram ter os descontos nos benefícios previdenciários aprovados junto ao INSS, sem que o titular do benefício soubesse, a qualquer momento, de que seu nome estava sendo utilizado”, destaca Bruna.
A advogada pontua também que essa situação permite verificar a vulnerabilidade que os aposentados e consumidores estão expostos e também as dificuldades que têm em enfrentar para resolver uma situação que não deram causa, mas que atingem os valores de seus benefícios que são, em grande parte das vezes, sua única fonte de renda.
Caso de polícia
Outra característica deste golpe é que as vítimas, num primeiro momento, não possuem dados que comprovem que foram enganadas, por isso mesmo que registrem o caso na polícia não existem elementos suficientes para uma investigação.
Portanto para configurar um crime de busca do possível estelionatário é preciso que haja dados materiais que só serão gerados através de um processo judicial, a partir da defesa das instituições financeiras, mediante apresentação de documentos que comprove a legitimação da contratação do empréstimo.
Neste estágio, o advogado poderá fazer a representação na Delegacia de Polícia com elementos materiais, incluindo assinaturas (falsas ou não), quais documentos e endereços da vítima que foram utilizados pelo falsário, quem foi o correspondente bancário que intermediou a transação, entre outros indícios.
Discussão em outras esferas
O problema dos consignados indevidos atinge todo o país. No Estado ele foi debatido em audiência pública na Assembleia Legislativa Gaúcha no último dia 14 de julho pela Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte e Participação Legislativa Popular.
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura no RS (Fetag) reuniu em um dossiê com 229 páginas provas de prática fraudulenta e de vazamento de dados contra beneficiários da Previdência Social e ingressou com uma ação civil pública contra o INSS. A entidade defende o bloqueio dos benefícios para consignados até manifestação pessoal dos segurados, descredenciamento de agentes financeiros envolvidos em fraudes e ressarcimento e compensação moral às vítimas de golpes.