Na contramão do mundo, a população brasileira ficou mais pobre na última década. Entre 2011 e 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do país recuou 0,2% ao ano, em média. Nesse mesmo período, a riqueza mundial apresentou um crescimento anual de 0,4%.
Os dados integram um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) com base nos números do Fundo Monetário Internacional (FMI). O desempenho do PIB per capita ao longo da década foi calculado em Paridade do Poder de Compra (PPC) e, portanto, torna possível a comparação entre os países, porque exclui o efeito do câmbio nas moedas locais.
O PIB per capital é a soma de tudo o que país produz dividido pela população e funciona como um importante termômetro para avaliar a riqueza de uma nação. Ele sobe quando a atividade econômica avança num ritmo mais rápido do que o crescimento populacional.
Em 2010, os brasileiros tinham uma renda anual média de US$ 14.931,10. Em 2020, ela caiu para US$ 13.777,44.
O fraco desempenho do Brasil, observado na última década, pode ser explicado por uma combinação bastante perversa. O país enfrentou uma dura recessão entre o fim de 2014 e 2016, registrou uma lenta retomada nos três anos seguintes e viu o PIB despencar 4,1% no ano passado, por causa dos impactos econômicos provocados pela pandemia de coronavírus.
“Esse conjunto de elementos fez com que nós tivéssemos uma nova década perdida”, afirma Claudio Considera, pesquisador do Ibre/FGV e um dos autores do levantamento. “Foram três anos de recessão mais um ano da pandemia, que desligou a economia.”
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Se comparado a países de economia similar, o Brasil fica ainda mais atrás: entre os emergentes, o avanço médio do PIB per capita foi de 2,5% entre 2011 e 2020.
“Entender essa trajetória de comparar o Brasil com os emergentes é entender a crise de meados dos anos de 2010”, afirma Rodrigo Soares, professor titular da cátedra Fundação Lemann no Insper.
“Houve uma mistura de dois fatores. Em parte, foi uma herança das políticas equivocadas, adotadas a partir do final dos anos 2000 e que se intensificaram no início dos anos 2010. E isso foi combinado com o choque negativo das commodities, que começou a acontecer no mesmo período”, diz.
Na década passada, a situação das contas públicas se agravou, resultando em uma crise fiscal que se arrasta até hoje. O país ainda enfrentou uma turbulência política, que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Como consequência, em 2015, a economia brasileira perdeu o grau de investimento – uma espécie de selo de bom pagador da dívida pública.
Início lento da década
A nova década que se inicia começa com sinais de fraqueza e, portanto, não deve haver uma melhora expressiva da renda do brasileiro tão cedo. O país lida com várias incertezas, como o agravamento da pandemia de coronavírus e a lenta vacinação, que estão minando as expectativas de um crescimento mais acelerado.
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As projeções econômicas para 2021 têm sido reduzidas semana após semana, segundo o relatório Focus, do Banco Central, que colhe a avaliação de uma centena de economistas. Hoje, os analistas estimam que o PIB deve crescer 3,26%. Há um mês, a previsão era de alta de 3,47%.
“De fato, está parecendo que o desempenho do primeiro trimestre será bem fraco em relação ao último trimestre de 2020”, afirma Considera. “É possível prever uma dificuldade muito grande para a retomada do crescimento.”
Alguns bancos e consultorias já projetam uma recessão técnica neste ano, com quedas seguidas do PIB no primeiro e no segundo trimestres.
Há ainda incertezas em relação à condução da política econômica do governo Jair Bolsonaro – se a agenda liberal prometida na eleição de 2018 vai ser trocada por medidas populistas –, sobretudo depois da intervenção do governo na Petrobras.
Mercado de trabalho
A dificuldade de enxergar uma melhora na condição de vida do brasileiro também se dá pela fraqueza do quadro de emprego no país.
O mercado de trabalho, sem se recuperar da recessão do período dos anos de 2014 a 2016, foi novamente abatido pela pandemia de coronavírus. Em 2020, a taxa de desemprego do país encerrou em 13,9%, chegando a 13,9 milhões o número de pessoas nessa situação.
Formado em história, Victor Hugo Barbosa Lopes de Salles, de 31 anos, trabalhou três anos num restaurante e foi mandado embora em fevereiro deste ano, entrando para as estatísticas dos milhões de desempregados.
“O restaurante teve que parar durante o início da pandemia. Ele ficou fechado por uns 3 meses e só reabriu com metade das mesas disponíveis para o uso, e a gente começou a fazer entrega para ter uma renda”, conta Victor, que hoje vive do seguro-desemprego. “Foi ficando difícil para o restaurante pagar o nosso salário e eles decidiram mandar algumas pessoas embora.”
Desde que se formou em história, Victor tenta atuar na sua área. Ele já deixou currículos em escolas e prestou concursos públicos. Agora, desempregado, vai tentar ter alguma renda como motorista de aplicativo.
“Não é um emprego que demanda entrevista, é o mais fácil de conseguir”, afirma. “Tenho uns amigos que estão procurando emprego e está bem difícil.”
Sem ajuda do Auxílio Emergencial
Além de um mercado de trabalho enfraquecido, a renda do brasileiro enfrenta mais um revés com a redução no valor e na quantidade de parcelas do Auxílio Emergencial. No ano passado, as cinco parcelas de R$ 600 e as quatro de R$ 300 representaram um importe alívio para o bolso do brasileiro em meio à pandemia.
O benefício injetou R$ 300 bilhões na economia e chegou a 68 milhões de pessoas.
Neste ano, a nova rodada do auxílio deve ser bem mais modesta. O governo desenhou o programa com quatro parcelas no valor médio de R$ 250. Os novos pagamentos devem ser liberados entre março e abril.
Por Bianca Lima e Luiz Guilherme Gerbelli, GloboNews e G1