Na audiência pública que promoveu na manhã desta segunda-feira (16) para analisar os dois projetos do Executivo que tramitam na Assembleia para autorizar a regionalização do saneamento básico e privatizar a Corsan, a Comissão de Assuntos Municipais acolheu os pedidos de prefeitos, especialistas e gestores da companhia para que o governo retire o pedido de urgência das matérias. Os dois projetos (PL 210 e 211) com pedido de urgência entram em votação em 15 dias e outro, correlato, mas sem urgência, trata de regiões excluídas da Unidade Regional de Saneamento Básico Central.
Tanto a Federação dos Municípios, Famurs, quanto o Ministério Público e o Tribunal de Contas, assim como os deputados participantes da audiência pública, foram unânimes em alertar que a urgência na votação é incompatível com a complexidade do tema e, em especial, a repercussão de aspectos jurídicos que poderão resultar em ações contra os prefeitos.
O deputado Tiago Simon (MDB), que solicitou a audiência, lamentou a ausência do governo neste primeiro debate sobre os dois projetos que tramitam na Assembleia em regime de urgência e regionalizam os serviços da Corsan e autorizam a privatização da companhia. Disse que está em debate o futuro do saneamento e da água no RS, não apenas da Corsan, revelando o desconforto da bancada do MDB com o “atropelamento” do tema pelo governo. Simon observou que faltam informações técnicas para sustentar o projeto de regionalização, que cria um bloco de 307 municípios que perdem as prerrogativas atuais sobre o saneamento, “estamos vendo um modelo de definição da política de saneamento até 2060 que não atende os interesses dos usuários, dos municípios e das regiões mas à geração de receitas do estado”, resumiu. Mesmo favorável às privatizações, o deputado defendeu o debate das matérias e encaminhou, ao final da audiência, o pedido unânime das entidades para que o governo retire o pedido de urgência. Ele anunciou um grupo de trabalho, a partir dos estudos apresentados na audiência, para acompanhar as matérias. Também referiu os relatos de possível gestão temerária da Corsan, assunto que o parlamento avaliará com responsabilidade.
Eduardo Loureiro (PDT), presidente da Comissão de Assuntos Municipais, também alertou que a pressa imposta pelo governo sobre um tema complexo e com repercussão negativa nos municípios não pode excluir a sociedade civil do debate. Também o deputado Jeferson Fernandes (PT) argumentou em favor do debate e alertou para os riscos de o estado representar mais o poder concedente do que os municípios, assim como a fragilidade em que ficarão os municípios menores. E criticou a tática do governo em impedir o debate público mediante os pedidos de urgência.
Pelo Ministério Público, o promotor de justiça Maurício Trevisan informou que o assunto é tema de estudo da instituição, tanto no âmbito federal quanto estadual, que é a intenção de alienação do controle acionário da Corsan e a regionalização, o que está materializado nos dois projetos – 210 e 211/2021, em regime de urgência. Trevisan ponderou que “a compreensão adequada das consequências e sobreposições que possam estar acontecendo se torna dificultada em função do prazo reduzido para o debate”, lembrando que outro projeto, sem urgência, trata das regiões que não estão previstas no PL 211/2021. E também observou a insegurança jurídica que a regionalização gera aos prefeitos, uma vez que às Câmaras de Vereadores não será dado o direito de legislar sobre o tema.
Prefeitos em insegurança jurídica
O ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Pedro Henrique Poli de Figueiredo, explicou que a preocupação do governo com a privatização da Corsan determinou a escolha da regionalização, que se tornou um instrumento para a desestatização quando, segundo ele, deveria ser primeiro a regionalização e, posteriormente, a desestatização. “Do ponto de vista formal o projeto não teria problemas em termos de desestatização, o que há é a possibilidade de transferência de ações para os municípios, que alcança 6% das ações da companhia, quando em outras iniciativas, como na Companhia Estadual de Água e Esgotos do Rio de Janeiro, Cedae, essa participação chegou a 15%”, informou.
Outra questão é a responsabilidade dos prefeitos, que é o representante do titular do serviço e em se tratando do direito ao serviço público de água e saneamento e tido por essencial, do ponto de vista dos direitos humanos, de proteção constitucional, “isso gera responsabilidade que pode efetivamente ser cobrada mais adiante”, conforme Figueiredo. Ele referiu que o compartilhamento de um interesse local em formato regional pode esbarrar em entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito de responsabilidade compartilhada em regiões metropolitanas, uma vez que o estado não pode ficar com a maioria do poder e deixar de lado os municípios, “com responsabilidade compartilhada não pode haver predominância de apenas um ente, o protagonismo deve ser de todos os entes, e os projetos de lei de regionalização retiram do município o poder relacionado às suas decisões”, mas o bloco regional ficará com as competências públicas, como regular o serviço, fiscalizar, política tarifária. É a modificação do foro da titularidade e o prefeito tem menor participação, mas responderá pelo poder decisório dos serviços. O ex-conselheiro do TCE disse, ainda, que faltou critério técnico para definir a regionalização, “os projetos de regionalização foram pautados em função da desestatização que se pretende na Corsan”, e alertou que a adesão dos municípios aos blocos regionais depende de autorização legislativa municipal, embora o governo venha argumentando em contrário, “sem ouvir o parlamento municipal seria grande irresponsabilidade do chefe do poder executivo municipal”, garantiu.
Outro especialista ouvido pela audiência foi o economista Ricardo Hilgen, que discorreu sobre estudo a respeito da operação de privatização da Corsan e classificou como “inconsistente do ponto de vista do mercado de capitais”, assunto que ele encaminhou ao procurador Geraldo Da Camino, do Ministério Público de Contas, e resultou em representação e inspeção especial do TC. Informou que também o Ministério Público solicitou seu estudo, em análise na Diretoria de Defesa do Patrimônio Público. Hilgen também apontou a pressa do governo em aprovar o tema e disse que a avaliação é se a Corsan é viável para atingir o que define o Marco do Saneamento e se tem alternativa que não seja a venda pulverizada, modelo que ele não vê sentido em ser adotado.
Conforme o economista, o governo não apresentou nenhum formato viável da proposta em curso, que contrapõe com a sua proposição de abertura de capital da Corsan, com a entrada de acionista estratégico relevante, com gestão operacional e tecnologia. Disse que a Corsan é viável mas “desde que a gestão tenha interesse em seguir com o modelo e não o controle pulverizado”. Também alertou para os riscos que os prefeitos estarão expostos sem as leis municipais relacionadas, assunto que trata a inspeção do TC.
A seguir, o ex-presidente da Corsan, Flavio Presser, também argumentou pela retirada do pedido de urgência e a busca de consenso entre prefeitos para a regionalização. Alertou para possíveis impactos futuros na tarifa e destacou o exemplo de Minas Gerais, onde as regiões metropolitanas foram respeitadas e houve debate prévio com os prefeitos antes de os projetos serem enviados ao legislativo estadual.
O presidente da Famurs, Eduardo Bonotto – assim como os prefeitos de Porto Alegre, Sebastião Melo; de Palmeira das Missões, Evandro Massi; de Alegrete, Márcio Amaral; de Fagundes Varella, Nelton Conte; e de São Sepé, João Luis Vargas – destacou a importância do saneamento básico e o cumprimento do Marco Regulatório do Saneamento mas pediu “amadurecimento para trabalhar com respeito e diálogo do que é melhor para os municípios e a população”. Desde 2007 a Famurs acompanha o Marco Regulatório que trata da universalização do saneamento básico e, por isso mesmo, é consenso que “saia do papel, em formato público ou privado, mas que cada município possa decidir”. O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, antecipou que não vai aderir à regionalização, uma vez que a tarifa de Porto Alegre é barata. E disse que é preciso incluir na discussão também os resíduos sólidos e a drenagem urbana, que impactam na qualidade de vida dos municípios. O prefeito Luciano Orse, pela Associação de Municípios do Vale dos Sinos, informou que documentos solicitados ao governo foram negados, “os prefeitos não conseguiram trabalhar de forma adequada as questões técnicas e jurídicas envolvidas”, razão pela qual estão com receio de assinar o aditivo para 2060.
Pela Associação de Engenheiros da Corsan, Eduardo Carvalho disse que a companhia tem comprovada capacidade de investimento e pode atender os pressupostos do Plano Estadual de Saneamento, podendo continuar pública, no mesmo modelo adotado em outros estados, com abertura de capital.
Pelo Comitê das Bacias Hidrográficas, Anderson Erter, explicou que a bacia do Rio dos Sinos se torna incompatível para o gerenciamento e planejamento da bacia hidrográfica associado com a prestação do serviço, uma vez que no plano de regionalização está em três unidades diferentes. Também os comitês das bacias dos rios Gravataí e Caí têm essa mesma visão e, por isso, defendem a retirada do pedido de urgência dos projetos. “Se projetamos universalização do esgotamento sanitário, não será por esse modelo”, afirmou.
O ex-vice-governador do RS, Miguel Rossetto, pediu um exame rigoroso da atuação do atual diretor-presidente da Corsan, Roberto Barbuti, por gestão temerosa e fraudulenta. E o diretor Arílson do Sindiágua, destacou o alinhamento da companhia com as exigências formais do Marco Regulatório, mas todos os esforços têm sido escondidos pelo governador e pela direção da Corsan. Em 2018, a companhia colocou 18 projetos de esgotamento, e com o governo Leite, apenas cinco. Defendeu a retirada da urgências dos projetos até o dia 24 de novembro, quando o STF deverá julgar a representação do Tribunal de Contas do RS.
Participaram ainda o ex-deputado e ex-prefeito de Novo Hamburgo, Tarcísio Zimmermann; o Observatório Ondas – Direitos à Água e ao Saneamento; e José Homero Pinto, da Associação dos Técnicos da Corsan.
Fonte: Agência de Notícias AL-RS