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sexta-feira, novembro 8, 2024

Sobremesas retrô, são tendências para 2022

O pudim lisinho se desmanchando na boca, os sabores cruzados do pavê, o cheiro gostoso da canela subindo da tigela de arroz-doce, a calda grossa de ameixa se misturando ao manjar e a alegria de abrir o papel de alumínio para encontrar lá dentro o molhadinho do bolo felpudo. Cada uma dessas sensações está na memória da maioria dos brasileiros que hoje tem 40, 50, 60 anos de idade. É só fechar olhos para voltar à infância e ver-se novamente inundado pelo sentimento de que nada poderia transmitir mais acolhimento e segurança do que saborear aquelas sobremesas junto da família ou dos amigos. É natural, portanto, que em tempos tão confusos quanto os atuais muita gente recorra à doce nostalgia dessas delícias do passado para encontrar uma referência de paz.

Os sabores retrô, como são chamadas as receitas do gênero, estão entre as principais tendências do ano, como atesta o levantamento divulgado pela Kerry, gigante multinacional da área de nutrição e uma das mais respeitadas na difícil arte de prever o que estará em nossas mesas no futuro. A companhia os inclui entre as macrotendências em alimentos para 2022 e justifica a escolha com um argumento bem simples.

Em dezembro de 2020, no fim do primeiro ano sob o domínio do vírus, uma pesquisa feita pelo Conselho Internacional de Informações sobre Alimentos, nos Estados Unidos, sinalizou que nada menos do que 25% dos americanos haviam relatado ter ingerido quantidade muito maior de comidas associadas a sentimentos de conforto. Embora dissessem respeito aos hábitos alimentares nos Estados Unidos, as conclusões eram facilmente estendidas a outras populações. No Brasil, a procura por um pouco de alívio por meio do consumo de sobremesas com cheiro e sabor de casa se refletiu em mudanças nos cardápios dos restaurantes, que passaram a incluir opções antes escanteadas, como os doces de abóbora e de banana. Os índices das ferramentas de busca na internet também refletem o fenômeno. Em 2021, entre as dez receitas mais pesquisadas no Google pelos brasileiros, oito eram de doces bem ao estilo “vovó fazia”: brownie de Nescau, bolinho de chuva, bolo de milho, bolo de cenoura, geleia de amora, bolo de cenoura, geleia de amora, bolo de caneca, arroz-doce e curau.

As lembranças, no Brasil, de fato, têm gosto para lá de açucarado. O brasileiro médio ama doces carregados de açúcar, uma de nossas heranças dos tempos de Colônia, quando o ingrediente farto vindo dos engenhos de cana-de-açúcar se misturou às frutas nas compotas e às massas e recheios dos bolos portugueses. Desde então, os doces são parte relevante da identidade nacional e da história individual de cada um. São como as madeleines de Proust, evocação da meninice.

Essa espécie de memória coletiva ajuda a embalar a saudade dos doces que nos fazem voltar para casa quando o mundo parece estar sem direção. O problema é como fazê-los. Primeiro, porque são poucos os que tiveram o privilégio de aprender com pais ou avós os segredos de um bom glacê ou o ponto certo do sagu. Depois, porque nos falta um ingrediente indispensável: tempo. “Para fazer um doce bem-feito é preciso ter paciência e precisão porque tem medida certa e receita certa”, ensina a confeiteira Pati Piva. Mas não custa tentar, de preferência sem muita elaboração, aconselha Carole Crema. “Não precisa inventar. Ninguém quer algo tão gourmetizado”, diz. De fato, há coisa pior do que esperar um bolinho de chuva salpicado com açúcar e canela quentinho e receber no lugar uma iguaria parecida com massa de panqueca recheada com espuma de amêndoas? Não se trata de desvalorizar a segunda, que pode até ser saborosa, mas quando se quer o sabor do doce que toca a alma, bem lá no fundo, fala-se açúcar e canela. Não de amêndoas.

Por Simone Blanes edição Portal ClicR

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