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Cerro Grande do Sul
quinta-feira, novembro 7, 2024

Soja ganha espaço nas pequenas propriedades rurais

Os bons preços da soja e a estabilidade do mercado que há anos se mantem com demanda aquecida têm contribuído para o aumento da produção no Brasil.

De acordo com levantamentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a estimativa é que a produção na safra2021/2022 atinja os 140 milhões de toneladas, frente aos 137 milhões da safra anterior.

Por anos o cultivo da soja no Rio Grande do Sul foi associado a grandes propriedades, mas essa realidade vem mudando nos últimos 10 anos, conforme apontou o Censo Agropecuário de 2017, revelando que a soja já figura como principal fonte de renda da agricultura familiar no Estado.

Exemplo disso é o produtor Celmar Birke, da localidade de Tiririca, interior de Cerro Grande do Sul, que retomou o cultivo de soja depois de 40 anos e nesta safra dedicou uma área de 8,5 hectares de sua propriedade para o plantio desta oleaginosa que é a principal commodity brasileira.

Plantada em 09 de novembro de 2021 a lavoura apresenta um excelente desenvolvimento e deve atingir ponto de colheita no final de março. Ao caminhar em meio a área cultivada, mostrando as plantas carregadas de vagens, o produtor não esconde a satisfação e almeja colher mais de 60 sacas por hectare.

Para o sucesso do cultivo, Celmar segue à risca as orientações da equipe de assistência técnica da Agropecuária Wolfle & Schwalm, liderada pelo engenheiro agrônomo Otávio Schwalm que tem feito o acompanhamento da lavoura e indicado, conforme a necessidade, os tipos de produtos a serem aplicados e a forma mais adequada de manejo em cada estágio das plantas. O agricultor afirma que optou por não economizar nos insumos para atender todas as instruções.

“Iniciamos com a análise do solo. A parir dos resultados das amostras colocamos na lavoura tudo que foi sugerido, inclusive oito sacos de adubos por hectare, que aplicamos em duas vezes pra não desperdiçar e não correr o risco de queimar a semente”, explica Celmar.

Otávio destaca que o sucesso da produção passa pelo entendimento do produtor de que é preciso estar atualizado e atender as exigências do cultivar de acordo as necessidades.

“O agricultor tem que estar afinado com as avaliações técnicas, frutos de pesquisas, para que possa planejar as ações e definir as melhores estratégias. Isso vai garantir ganhos significativos na produção da soja e, diga-se de passagem, vale para a gestão de toda a propriedade”, afirmou.

Com uma boa dose de capricho, em uma área pequena e com as ferramentas adequadas Celmar consegue realizar um manejo minucioso de forma integral na lavoura, garantindo a uniformidade e minimizando perdas. Na última aplicação de produtos o agricultor pediu ao filho Oscar que lhe auxiliasse monitorando o blastanque enquanto ele se dedicava apenas a guiar o trator para não afetar as plantas.

“O que esperamos agora são chuvas regulares nos próximos 30 dias pra garantir o enchimento do grão”, pontuou o produtor.

O gerente da Wolfle & Schwalm, Pedro Schwalm avalia que cada vez mais essa relação de parceria entre cliente e empresa é fundamental para a excelência da produção.

“A lavoura do Celmar é o exemplo do resultado de um trabalho em conjunto que iniciou no preparo do solo e passou pelo acompanhamento de todas as etapas do desenvolvimento da planta. Planejamos junto as aplicações de defensivos e fertilizantes, tudo com o objetivo de trazer a maior produtividade possível para o agricultor. Mas é importante destacarmos também que a palavra final é a do produtor. São os cuidados dele com a lavoura que irão trazer os melhores resultados como este que vemos na plantação do Celmar”, explica Pedro.

O empresário aproveitou para dizer que a Agropecuária Wolfle & Schwalm tem investido no serviço de assistência técnica e que o disponibiliza de forma gratuita aos clientes e parceiros visando contribuir tanto na busca de novas alternativas de renda como na obtenção dos melhores resultados nas culturas já existentes.

Como era há cinco décadas

Embora venha ganhando espaço o cultivo da soja ainda não se consolidou definitivamente em Cerro Grande do Sul e ocupa poucas propriedades. A oleaginosa disputa espaço com o tabaco que se tornou a principal cultura agrícola por sua característica de adaptação em pequenas propriedades e ao sistema mutualista muito bem administrado pela indústria fumageira. O milho também tem sido produzido em escala bem maior nos últimos anos.

No início da década de 1970 a soja chegou a ser introduzida no município e na época Celmar Birke foi um dos produtores que apostou na cultura e colheu diversas safras do grão, num período que o plantio era bem diferente, mas os preços atraentes como hoje.

Celmar conta que ele e o seu vizinho Osvaldo Schultz foram os pioneiros no cultivo da soja na região de Tiririca. Diz que foram incentivados por familiares que estudavam no colégio agrícola Ruy Ramos, que pertencia ao município de Guaíba, atualmente escola municipal de ensino fundamental de Sertão Santana.

“Em 73 eu comecei. Plantei um saco e meio de soja, cerca de 1,5 hectares. O Osvaldo iniciou com duas hectares e meia. Tudo plantado com máquina manual (saraquá) e depois cortado de foice pra levar pra trilhadeira. Findava os braços do cara. Tinha que cortar de manhã bem cedo pra não debulhar e não cravar nas mãos” recorda.

Celmar segurando a plantadeira manual (saraquá) e a foice que usava para cortar a soja

Em seus relatos Celmar foi falando da evolução do cultivo e dos investimentos que foi fazendo ao longo dos tempos para o aumento da produção

“No segundo ano o pai comprou uma plantadeirinha puxada a cavalo que plantava uma linha. O Osvaldo comprou uma que plantava duas linhas, puxada por junta de bois, mas não funcionava direito na terra dobrada porque um lado ficava mais fundo que o outro. Era pesada e difícil de equilibrar”.

Ao relembrar das dificuldades que passou em tempos de trabalho duro, o agricultor chegou a se emocionar, recordando da coragem e disposição que teve para honrar os compromissos com o banco nas vezes que tomou financiamentos para investir na produção.

“Em 75 comprei meu primeiro tratorzinho, um Massey 55x. Comprei arado, disco, plataforma, botei o para-choque[…] Era só capoeirão. O fiscal do banco veio olhar a propriedade pois eu fiz a proposta pra comprar, mas não tinha nada[…] Só o trator custou Cr$ 56.610,00 e todo o financiamento deu Cr$ 85.000,00 e eles me financiaram sem eu ter um vintém na conta. Peguei dinheiro emprestado pra pagar o contrato. Me lembro que o fiscal disse bem assim: ‘Pelo certo tu não tens condições de comprar o trator financiado pelo banco, mas estou vendo que tu tens vontade de trabalhar’. Daí ele me liberou…”, contou Celmar, sem poder completar a frase com os olhos marejados.

Com o que produzia e comercializava, cerca de 30 sacas por hectare, não juntava dinheiro suficiente para pagar a prestação do banco, então recorria ao avô com quem pegava dinheiro emprestado para completar o montante. Para ressarcir o avô prestava serviço com o trator nas lavouras da região.

“Naquela época tinha pouco trator e bastante serviço. Chegava a fazer mil horas de serviço numa safra. Fazia a terra dos outros de dia e as minhas lavouras de noite. Às vezes tirava um cochilo debruçado na direção do trator e seguia de novo. Mas antes de iniciar a nova safra já tinha pago o vovô e sobrava dinheiro pra assinar um novo contrato de financiamento”, explicou.

A produção era vendida para a unidade da SAMRIG – Moinhos Riograndense S.A, de Esteio, por intermédio do produtor e representante comercial, Olmiro Bilhalva, de Camaquã, que também fornecia a sacaria para embalar os grãos que eram transportados de caminhão.

Unidade da Samrig em Esteio, ano de 1969 – Foto: IBGE

Já em 1978, Celmar adquiriu outro trator, usado, para aumentar a produção e seguiu arrendando terras. Chegou a plantar 115 hectares distribuídas em diversas propriedades, desde a Varzinha, em Barão do Triunfo, até Alto de Dores, em Sentinela do Sul.

Em 1982, por conta da alta dos combustíveis e dos insumos, e também em função do mercado atraente do fumo e do arroz, o agricultor deixou a soja de lado para investir nestas culturas. Ainda plantou soja mais dois anos na década de 1980, mas depois parou de vez pra só retomar agora na safra 2021/2022.

Histórico de Assistência Técnica

Não é de hoje que Celmar Birke confia na assistência técnica em busca dos melhores resultados na produção. Já em 1973 o produtor era assistido por profissionais da área agrícola que orientavam quais as melhores variedades de sementes, quais os insumos adequados, as formas de combate às pragas, entre outros fatores que compreendem o processo produtivo.

“Me lembro que o Nicolau vinha de bicicleta do Cerro Grande aqui pra visitar nossa lavoura”, recorda Celmar.

Ele se refere a Nicolau Afonso Trescastro, que atualmente é professor aposentado, mas que naquele tempo atuava como técnico agrícola pela prefeitura municipal de Tapes.

O Portal ClicR procurou o professor Nicolau que contribuiu com informações a respeito da inserção da soja como cultivo em Cerro Grande do Sul.

Formado na Escola Técnica Agrícola – ETA, de Viamão, na turma de 1965, Nicolau contou que as dificuldades logísticas e financeiras daquele tempo o impediram de cursar uma faculdade de Agronomia na URFGS como pretendia. Então em 1966, por intermédio do padre Alvino Krot, conseguiu emprego na prefeitura de Tapes, em um cargo de confiança na área técnica agrícola. Nos anos seguintes capitaneou um projeto que objetivava introduzir o cultivo da soja em pequenas propriedades municipais.

“Selecionamos alguns produtores que reuniam as características que se encaixavam no projeto e iniciamos as visitas no intuito de incentivar a produção. Lembro que o pai do Celmar Birke foi um dos agricultores que visitamos e incluímos no programa. Visitei eles várias vezes de bicicleta”, confirma o professor.

Curiosidade

Nicolau que morava em Cerro Grande, 3º distrito de Tapes, mas trabalhava na sede municipal, conta que por estar preocupado com a instabilidade de seu emprego, sugeriu ao prefeito da época, no início da década de 1970, que promovesse um concurso público na área. O administrador atendeu sua solicitação e ele atingiu seu objetivo conquistando a primeira colocação entre os inscritos.

Em troca do pedido o prefeito teria cobrado que ele se candidatasse a vereador nas eleições seguinte. Nicolau aceitou o desafio e no pleito de 1972 acabou eleito como o quarto mais votado, obtendo 316 votos. Naquele tempo vereador não era remunerado.

Com o cargo de vereador e estabelecido como servidor público em Cerro Grande, Nicolau tinha a sua disposição um Jeep que usava para ir às sessões da câmara municipal em Tapes. Isso porque era responsável também por levar junto outros colegas de legislativo. Todavia o veículo de trabalho para deslocamento como técnico agrícola era a sua própria bicicleta.

Nicolau segurando a bicicleta e à sua direita Valfredo Garcia Basler, agrônomo da ASCAR (os demais não foram identificados) – Foto: Acervo da Casa da Cultura de Cerro Grande do Sul

“Aquela bicicleta, uma Monark 1956, comprei quando conclui o curso na ETA, com um dinheiro que recebi de uma bolsa de estudos. Fui rodando com ela desde Passo do Vigário, no interior de Viamão, até a rodoviária de Porto Alegre, cerca de 35 km. Levei ela pra Cerro Grande desmontada no bagageiro do ônibus. Até pouco tempo tinha ela guardada no porão de casa, mas dei de presente a um sobrinho”, conta o professor.

Naquele tempo também, Nicolau passou ministrar aulas voluntariamente para turmas adultas e percebeu que o trabalho com o ensino estava lhe agradando. Por conta disso decidiu renunciar ao cargo de vereador ainda durante o mandato para buscar uma formação como professor. Mais tarde também se exonerou da função de técnico agrícola municipal e se tornou professor estadual, via concurso público.

 

Cicero Omar da Silva
Cicero Omar da Silva
Chefe de Redação e Departamento de Vendas Portal ClicR e jornal Regional Cel/Whats: 51 99668.4901

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